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“Colocar pessoas com medo para negociarem sozinhas. Isso não é negociação. Será sempre imposição”, diz presidente da Anamatra  

Por Auris Sousa | 03 abr 2020

“Em momento de alta fragilidade, pelas incertezas sociais e econômicas, colocar pessoas com medo para negociarem sozinhas. Isso não é negociação. Será sempre imposição”, disse Noemi Porto, presidente da Anamatra (A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) sobre a MP (Medida Provisória) 936, que reduz os salários e jornadas dos trabalhadores.

Em nota oficial, divulgada na quinta-feira, 2, a Anamatra manifesta preocupação com a MP e a considerou inconstitucional por permitir a redução de salários por meio de acordos individuais.

Leia a nota na íntegra:

ANAMATRA – Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho -, representativa de quase 4 mil magistrados e magistradas do Trabalho de todo o Brasil, vem a público manifestar sua preocupação com mais uma Medida Provisória, a de nº 936/2020, que dispõe sobre “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda e dispõe sobre medidas trabalhistas complementares”, a ser adotado durante o período da pandemia Covid-19 (“coronavírus”), em razão de previsões inconstitucionais.

1. A expectativa, num cenário de crise, é de que a prioridade das medidas governamentais se dirija aos mais vulneráveis, notadamente, aqueles que dependam da própria remuneração para viver e sustentar as suas famílias. Tais medidas devem ser, além de justas, juridicamente aceitáveis. Na MP 936 há, contudo, insistência em acordos individuais entre trabalhadores e empregadores; na distinção dos trabalhadores, indicando negociação individual para “hiperssuficientes”; na desconsideração do inafastável requisito do incremento da condição social na elaboração da norma voltada a quem necessita do trabalho para viver; e no afastamento do caráter remuneratório de parcelas recebidas em razão do contrato de emprego, que redundará no rebaixamento do padrão salarial global dos trabalhadores e das trabalhadoras. Tudo isso afronta a Constituição e aprofunda a insegurança jurídica já decorrente de outras mudanças legislativas recentes.

2. A Constituição de 1988 prevê, como garantia inerente à dignidade humana, a irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo (art. 7º, IV). Por isso, a previsão de acordos individuais viola a autonomia negocial coletiva agredindo, primeiro, o sistema normativo que deve vincular todos os Poderes Constituídos e, segundo, a Convenção nº 98 da OIT, que equivale a norma de patamar superior ao das medidas Provisórias.

3. A Constituição promove o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, XXVI), como autênticas fontes de direitos humanos trabalhistas, permitindo que incrementem a condição social dos trabalhadores e das trabalhadoras (art. 7º, caput). Portanto, em autêntico diálogo das fontes normativas, a prevalência de acordos individuais ou de acordos coletivos depende da melhor realização da finalidade de avanço social. Medida Provisória não pode eliminar, alterar ou desprezar a lógica desse diálogo das fontes jurídicas, que ocorre, aliás, em outros campos do direito.

4. A Constituição determina aos Poderes a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV), por isso, não se pode, absolutamente, diferenciar os trabalhadores e as trabalhadoras, em termos de proteção jurídica, pelo critério do valor do salário, sendo proibida diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil (art. 7º, XXX). Diferenciar os trabalhadores e as trabalhadoras, para permitir acordo individual, negando a necessidade de negociação coletiva, acaso recebam remuneração considerada superior e tenham curso superior, é negar a força normativa da Constituição e do Direito do Trabalho. A proteção jurídica social trabalhista, como outras proteções jurídicas, é universal, e não depende do valor do salário dos cidadãos.

5. Benefícios, bônus, gratificações, prêmios, ajudas compensatórias e quaisquer outros valores pagos em razão da existência do contrato de emprego detêm natureza presumidamente salarial. Embora possa o poder público afastar essa possibilidade para diminuir a carga tributária dos empregadores, não pôde fazê-lo quando a finalidade é atingir o cálculo de outras parcelas trabalhistas devidas aos trabalhadores e às trabalhadoras, como férias, 13ºs salários, horas extras e recolhimento do FGTS, considerando que, na prática, se isso ocorrer, haverá rebaixamento do padrão salarial global.

6. A ANAMATRA reafirma a ilegitimidade da resistência de setores dos poderes político e econômico que intentam transformar uma Constituição, que consagra direitos sociais como fundamentais, em um conjunto de preceitos meramente programáticos ou enunciativos. Ao contrário, são a preservação e o prestígio dessa mesma ordem que, ao garantirem a harmonia das relações sociais e trabalhistas, permitirão ao País uma saída mais rápida e sem traumas desta gravíssima crise. Por isso, a ANAMATRA exorta trabalhadores e empregadores a cooperarem e celebrarem avenças coletivas, o que incrementa a boa fé objetiva dos atores sociais e assegura a justiça proveniente do diálogo social.

Por fim, a ANAMATRA espera que outras medidas de aperfeiçoamento possam ser adotadas e reforça que a Constituição prevê no seu art. 146 um regime diferenciado para as micros e pequenas empresas, que podem ser beneficiadas com a suspensão de débitos de natureza fiscal, creditícia e administrativa, que poderia se constituir em um grande pacto de desoneração dessas empresas, com o objetivo de que consigam, como contrapartida, manter os empregos”.

Jornal Visão Trabalhista EDIÇÃO #18