FIQUE SÓCIO!

Notícias
COMPARTILHAR

ANPT reafirma preocupação com afastamento de negociação para flexibilização de direitos trabalhistas

Por Auris Sousa | 03 abr 2020

Em nota pública divulgada nesta quinta-feira, 2, a ANPT (Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho) destaca três principais pontos de questionamento sobre a medida provisória que reduz salários: a redução de salários, a suspensão contratual do emprego e o afastamento da negociação coletiva.

No documento, a ANPT ressalta preocupação central quanto o afastamento da negociação coletiva na implementação das medidas emergenciais, relativamente a considerável parcela dos vínculos de trabalho, sobretudo quando referentes à redução de salários e suspensão de contratos de trabalho. A associação ressalta que a Constituição da República garante como direito do trabalhador brasileiro a irredutibilidade salarial, só sendo possível a diminuição dos salários a partir de negociação coletiva (art. 7º, VI).

No texto, a ANPT informa ainda que a redução salarial sem a participação do sindicatos de trabalhadores, mesmo em tempos de crise acentuada, é medida de natureza inconstitucional. A associação reitera que ao dispensar a negociação coletiva para implementação das medidas emergenciais, sobretudo aos trabalhadores com mais baixa remuneração (até 3 salários mínimos), a MP acentua ainda mais o quadro de violação às normas constitucionais e internacionais.

Conheça abaixo a íntegra da nota pública:

A MP N. 936/2020, A REDUÇÃO DE SALÁRIOS, A SUSPENSÃO CONTRATUAL DO EMPREGO E O INCONSTITUCIONAL AFASTAMENTO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA

A Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho – ANPT, em face do teor da Medida Provisória n. 936, de 1º de abril de 2020, que dispõe sobre o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda no período de calamidade pública decorrente do coronavírus (covid-19), vem a público, como entidade representativa dos membros do Ministério Público do Trabalho de todo o Brasil, responsáveis pela defesa da ordem jurídica trabalhista, manifestar sua preocupação, apesar de avanço nas medidas, com o afastamento inconstitucional da negociação coletiva e da participação dos sindicatos na redução de salários e na suspensão do contrato de trabalho dos empregados brasileiros.

Inicialmente, por meio da MP n. 927/2020, o Governo Federal, a pretexto de adotar medidas trabalhistas de enfrentamento da crise gerada pela pandemia de coronavírus, submeteu o trabalhador brasileiro a situação de profundo abandono social, reduzindo drasticamente suas garantias trabalhistas no período, sem nenhuma contraprestação patronal e estatal. Chegou a instituir um modelo de suspensão contratual sem garantia de salário ou seguro social (art. 18), o que se tornou alvo de intensa crítica por parte dos agentes políticos e sociais, ensejando a revogação do modelo de suspensão desassistida por meio da MP n. 928/2020.

Com a finalidade de preencher a lacuna deixada pela norma revogada, a nova MP 936/2020 institui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, com duas medidas centrais: a redução proporcional de jornada de trabalho e salário de até 70%, por até 90 dias (art. 7º), e a suspensão contratual, por até 60 dias (art. 8º), mediante pagamento de subsídio estatal em valor correspondente ao seguro-desemprego, proporcional à perda salarial sofrida pelo empregado (art. 6º), com garantia de emprego durante o período de redução salarial ou de suspensão contratual e, após o restabelecimento da jornada de trabalho e do salário, por período equivalente ao acordado para a redução ou suspensão (art. 10). As medidas apanham contratos de trabalho de aprendizagem e de jornada parcial (art. 15) e beneficiam trabalhadores sujeitos a contratos de trabalho intermitente (art. 18).

Ao adotar um modelo de suspensão contratual acompanhada de renda mínima e garantia de emprego, a legislação em princípio contempla preocupações desta entidade associativa veiculadas em Nota Pública de 22/03/2020, quanto à necessidade de medidas estatais de garantia de emprego e renda aos trabalhadores, no período de quarentena recomendada pela Organização Mundial de Saúde.

Contudo, persiste a preocupação central desta entidade quanto à postura normativa também presente também na MP n. 936/2020, de reiterado afastamento da negociação coletiva na implementação das aludidas medidas emergenciais, relativamente a considerável parcela dos vínculos de trabalho, sobretudo quando referentes à redução de salários e suspensão de contratos de trabalho, pois a Constituição da República garante como direito do trabalhador brasileiro a irredutibilidade salarial, só sendo possível a diminuição dos salários a partir de negociação coletiva (art. 7º, VI). Prever a redução salarial sem a participação do sindicatos de trabalhadores, mesmo em tempos de crise acentuada, é medida de natureza inconstitucional.

Verifica-se que, nos termos do art. 12 da MP n. 936, a redução de jornada/salário e a suspensão contratual podem ser implementadas por meio de acordo individual entre empregado e empregador, relativamente aos empregados com salário igual ou inferior a R$ 3.135,00 (correspondente a 3 salários mínimos) e aos portadores de diploma de nível superior e remuneração igual ou superior a duas vezes o teto dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, figura equivocadamente denominada de “trabalhador hipersuficiente”, inserida pela reforma trabalhista no parágrafo único do art. 444 da CLT.

Além disso, conforme dispõe o parágrafo único do art. 12 da MP, também pode ser negociada individualmente a redução de jornada/salário em até 25%, independentemente do valor da remuneração do trabalhador.

Ao dispensar a negociação coletiva para implementação das medidas emergenciais sobretudo aos trabalhadores com mais baixa remuneração (até 3 salários mínimos), a MP n. 936/2020 acentua ainda mais o aludido quadro de violação às normas constitucionais e internacionais que garantem a negociação coletiva como instrumento constitucional e democrático destinado à composição dos interesses de empregados e empregadores, especialmente quanto aos trabalhadores mais vulneráveis, “convidados” a negociar sob ameaça de perda do emprego em momentos de crise.

Nesse sentido, ao tempo em que reconhece avanço nas medidas previstas na MP n. 936/2020, comparativamente à normativa anterior, a ANPT reitera a preocupação com as normas dos arts. 2º, 7, II, 8º, § 1º, 9º, § 1º, I, e 12, que autorizam a flexibilização de direitos trabalhistas extremamente sensíveis no período de calamidade pública, mediante simples acordo individual entre empregado e empregador, caminhando em sentido diametralmente oposto ao patamar civilizatório projetado pela Constituição de 1988 para as relações sociais, notadamente as relações de trabalho, que prevê, nesse tipo de situação, garantias fundamentais como a preservação da negociação coletiva.

Jornal Visão Trabalhista EDIÇÃO #18