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Para assistente social, rombo na Previdência é manipulação

Por Auris Sousa | 17 maio 2017

Sob o já conhecido argumento de déficit, a reforma da Previdência (PEC 287/2016), que dificulta o acesso dos brasileiros a aposentadoria, avança em passos largos na Câmara dos Deputados, que deve votar o texto ainda neste mês. Em entrevista ao Visão Trabalhista, a assistente social e professora da UERN (Universidade Estadual do Rio Grande do Norte), Rivânia Moura, mostra que o argumento é falacioso e a proposta de reforma é uma afronta aos direitos dos trabalhadores.

“O déficit apresentado pelo governo é uma manipulação dos dados do orçamento da seguridade social que esconde uma parte da arrecadação”, explicou Rivânia, que se recusa a chamar as mudanças de reforma e as avalia como um desmonte da Previdência.

Confira entrevista com a economista:

Para a assistente social Rivânia Moura, a reforma é um ataque aos direitos dos trabalhadores, um desmonte na política previdenciária e um atentado contra a vida dos trabalhadores atuais e das futuras gerações – Foto: Waldemir Barreto

Visão Trabalhista: Como a senhora avalia a proposta de Reforma da Previdência, traçada como prioridade pelo governo Temer, em meio a uma crise econômica e política?

Rivânia Moura: Essa PEC está associada a todo o desmonte que vem sendo operado por via da PEC da diminuição dos gastos primários do Estado; da reforma trabalhista; [lei da] terceirização e toda reforma do Estado que se encaminha no sentido de manter a política econômica de manutenção e ampliação do superávit primário. Não consideramos que seja de fato uma reforma, o que presenciamos é um desmonte da Previdência Social. Avaliamos, mediante essas questões, que a PEC 287 significa um ataque aos direitos dos trabalhadores, um desmonte na política previdenciária e um atentado contra a vida dos trabalhadores atuais e das futuras gerações.

VT: Para a senhora, qual é o ponto mais preocupante da reforma da Previdência, por quê?

RM: A “reforma” é preocupante na sua totalidade. Temos afirmado que essa proposta atinge direta ou indiretamente o conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil. As novas condicionalidades impostas aos trabalhadores e trabalhadoras – tempo mínimo de contribuição de 25 anos, idade mínima de 65 anos, diminuição do valor das pensões por morte, diminuição do cálculo da aposentadoria, estabelecimento de uma alíquota e contribuição para os trabalhadores rurais, dentre outras – faz com que grande parte dos segurados da Previdência não tenham mais acesso aos benefícios previdenciários. Exclui do sistema previdenciário muitos trabalhadores e trabalhadoras que jamais cumpririam as condições impostas.

VT: Quais serão as principais consequências na vida da população, caso a reforma agora em discussão seja aprovada, sobretudo ao que se refere a idade mínima?

RM: O estabelecimento da idade mínima de 65 anos é um ponto bastante preocupante e excludente, na realidade brasileira. O argumento do aumento da expectativa de vida da população para justificar a idade mínima para aposentadoria se torna um grande contrassenso.

VT: Por que?

RM: Primeiro porque desconsidera a nossa diversidade regional, pois em muitos municípios brasileiros, principalmente do Norte e Nordeste, a expectativa de vida é inferior ou igual a 65 anos. Deste modo muitos trabalhadores e trabalhadoras estariam fora dos alcances dos benefícios da Previdência Social. Uma segunda questão se refere a comparação com os outros países. O governo tem usado a justificativa de que muitos países já fizeram este tipo de reforma, já estabeleceram idade mínima e que por isso o Brasil também precisa fazer. De fato, elas vêm ocorrendo desde a década de 1990 em quase todos os países capitalistas do mundo, pois tem sido uma exigência orquestrada pelos organismos financeiros internacionais.

Uma das injustiças da reforma é estipular uma idade mínima para a aposentadoria próxima à expectativa de vida da população brasileira

VT: É justo igualar o Brasil a estes países?

RM: A comparação que é feita do Brasil com os demais países é injusta e desleal por não ter como referência a condição de vida e de trabalho da população. Por outro lado, todos os países que estabeleceram idade mínima, fixaram essa idade com uma margem de 15 a 20 anos de diferença da expectativa de vida. No caso brasileiro, ela é muito próxima à da expectativa de vida, o que gera dois problemas: muitos trabalhadores não alcançarão a idade mínima e os que chegarem a essa idade terão pouco tempo para usufruir da aposentadoria.

VT: Esta reforma pode acabar com a aposentadoria pública no Brasil? Quais são as consequências disso para a população?

RM: Com essa proposta de desmonte da Previdência poderemos ter no mínimo três graves cenários: minimização da previdência pública; falta de cobertura previdenciária para um grande número de trabalhadores e trabalhadoras; ampliação da privada.

A minimização da previdência pública significa que todos os benefícios serão reduzidos, com baixo valor, de difícil acesso, os quais poucos terão direito. Falta e cobertura previdenciária em que muitos trabalhadores e trabalhadoras não conseguirão se inserir na Previdência, tendo em vista a desestruturação do mercado de trabalho com as terceirizações, os contratos temporários, as situações precárias de trabalho, diaristas, e diversas outras formas de contratação que não vão garantir a contribuição para a Previdência.

A ampliação da previdência privada está associada a todo o desmonte da pública – ao passo-, que se torna mínima e não garante mais a sobrevivência dos trabalhadores e suas famílias. Abre-se, então, um espaço para o mercado, em especial os bancos, oferta-la como mercadoria.

VT: A sonegação das empresas à Previdência compromete a aposentadoria dos contribuintes, bem como a própria conta do INSS, apesar disso não existe na proposta punição para os devedores. O que é bem contraditório. Para a senhora, a que isso se deve?

RM: A sonegação, as isenções fiscais e a desoneração da folha de pagamento são formas de beneficiar às empresas que têm retirado bilhões de reais dos cofres da Previdência. Esses mecanismos poderiam ser revistos e, desse modo, garantir maior sustentabilidade da Previdência.

Na CPI da Previdência, professora Rivânia também negou déficit e criticou proposta do governo – Foto: Waldemir Barreto

VT: Quais são os impactos desta sonegação?

RM: A sonegação tem se transformado num grave problema, pois empresas e bancos devem cerca de R$ 400 bilhões para a Previdência e o Estado não operacionaliza a cobrança desse débito. Mesmo se o déficit existisse, o equilíbrio poderia ser adquirido com a arrecadação sem precisar destruir os direitos dos trabalhadores. A não cobrança desses débitos exemplifica os acordos firmados entre governo e capital que para os trabalhadores só tem o saldo negativo de pagar com seus direitos, seu suor, seu trabalho.

VT: A análise da CPI da Previdência pode trazer resultados divergentes sobre os constantes déficits apresentados pelo governo?

RM: Certamente. A investigação das contas da Previdência pode mostrar que historicamente ela foi superavitária. Que o saldo positivo gerado foi utilizado para o próprio desenvolvimento econômico do país. Pode demonstrar que o problema não é um suposto déficit e sim o grande volume de dinheiro movimentado pela Previdência. Mostrar, inclusive com mais clareza, os seus devedores, o problema da arrecadação que deve estar no centro das preocupações.

VT: O déficit da Previdência é uma falácia?

RM: Sim. O déficit apresentado pelo governo é uma manipulação dos dados do orçamento da seguridade social que esconde uma parte da arrecadação. O governo calcula as receitas da Previdência apenas com base nas arrecadações diretas vindas do desconto dos salários dos trabalhadores e das empresas sobre a folha de salário ou sobre o faturamento.

VT: Onde o governo erra nesta conta?

RM: Existem outras receitas que são específicas da Previdência Social e que o governo não coloca na conta: COFINS, CSLL, concurso de prognóstico, PIS, dentre outras que são contribuições indiretas. O governo ao calcular o déficit não inclui essas arrecadações que são exatamente a contrapartida do Estado para a seguridade social. Ao juntar todas as receitas – diretas e indiretas – e diminuir os gastos fica comprovado que a seguridade social é superavitária.

VT: O discurso de déficit da Previdência pode beneficiar o capital, por quê?

RM: Esse discurso só beneficia o capital. Primeiro, porque esse discurso legitima a falência da Previdência pública e com isso abre espaço para novas formas de acumulação de capital via a venda de seguros privados de previdência. Segundo, porque as contas apresentadas pelo governo creditam o déficit ao envelhecimento populacional, ao aumento da expectativa de vida e a relação entre a quantidade de contribuintes e de aposentados. Por outro lado, esconde os verdadeiros devedores da Previdência que em geral são os grandes capitalistas industriais e banqueiros.

VT: Qual é a sua avaliação sobre a CPI da Previdência?

RM: Penso que é um passo importante para abrir a discussão e as contas, para revelar a real situação da Previdência Social e comprovar a sua sustentabilidade. Porém, aliada a CPI tem que existir a luta e mobilização constante dos trabalhadores. Não podemos esperar os trâmites legais da CPI para denunciar o desmonte da Previdência Social. Precisamos ampliar a nossa resistência, ocupar as ruas, barrar esse processo em curso e exigir que a Previdência atenda às necessidades dos trabalhadores.

VT: Para finalizar, por que tanta pressão do governo por esta reforma?

RM: O governo tem aprovado diversas “reformas” de modo acelerado, o que é uma estratégia para impedir a contraposição, o debate, o enfrentamento. Com a “reforma” da Previdência isso não foi e não vai ser possível porque já existem milhares de trabalhadores mobilizados, centenas de instituições sociais que se posicionaram contrárias a PEC 287, sindicatos, movimentos sociais e entidades de categoria profissional que passaram a organizar suas bases para lutar contra a reforma. Esse processo já foi capaz de desacelerar a vontade do governo e será esse mesmo processo de luta e resistência capaz de barrar essa “reforma” e de exigir a permanência da Previdência como proteção social dos trabalhadores e suas famílias.

Rivânia Moura é assistente social, professora da faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Tem doutorado em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Seus estudos e pesquisas direcionam-se para as políticas sociais, em especial a previdência social, e também a financeirização e crédito. [Texto atualizado em 29/05/2017 às 15:32]

Jornal Visão Trabalhista EDIÇÃO #18