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Fabricação de lâmpadas contém alto teor de perigo no trabalho

Por Rede Brasil Atual | 16 abr 2016

Acordo negociado com empresa em Osasco prevê indenização a trabalhadores intoxicados pelo metal e fim da produção de unidades que usem tecnologias ultrapassadas

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Um acordo judicial firmado em março é visto como um passo importante na prevenção contra a intoxição por mercúrio, uma situação ainda recorrente no país. Esse acordo foi firmado entre o Ministério Público do Trabalho (MPT) e a multinacional alemã Osram, prevendo pagamento de indenizações a funcionários e ex-funcionários da unidade de Osasco, na região metropolitana de São Paulo, por exposição ao mercúrio metálico, e planos de saúde vitalícios a trabalhadores diagnosticados com doenças. O número certo ainda depende de exames, mas a Associação dos Expostos e Intoxicados por Mercúrio Metálico apresentou uma lista com 236 nomes de possíveis habilitados. Outros ainda podem se inscrever.

Presidente da associação e ex-funcionário da Sylvania, em Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, Valdivino dos Santos Rocha, 61 anos, vê um precedente importante e um indicativo de mudanças no país. “Essas grandes empresas vêm aqui, adoecem o trabalhador e vão embora. Acredito que seja uma grande vitória para os trabalhadores envolvidos no processo”, afirma.

Para Valdivino, isso também ajuda na conscientização do perigo que representa a exposição do produto. “O problema afeta o sistema nervoso central e a gente vai perdendo a noção da coisas”, diz ele, lembrando que às vezes esses problemas são confundidos com lesões por esforço repetivivo ou doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho (LER/Dort): “Dor nos braços, nas pernas… Não aguenta levantar peso. Os trabalhadores caem, e isso se confunde com epilepsia. Tem colega que cai direto. Uma coisa muito constante é a depressão”, conta o trabalhador, que durante os quase seis anos na Sylvania (de 1986 a 1992) foi mecânico na linha fluorescente e supervisor.

Sintomas

A médica Cecília Zavariz, ex-auditora fiscal do Trabalho, lembra que as ocorrências de intoxicação são variadas. Em pesquisa realizada nos anos 1990, houve uma lista extensa de sintomas relatados pelos trabalhadores: “Dor de cabeça, dor no estômago, sangramento oral, salivação excessiva, má digestão, gosto de metal na boca, náuseas, gengivite, ulceração oral, problemas dentários, diarreia, cãibras, parestesia, tremores, sonolência, alteração de grafia, abalos e fraqueza muscular, nervosismo, irritabilidade, dificuldade de memória, ansiedade, tristeza, depressão, redução da atenção, agressividade, insegurança e medo”.

Ela acompanha a situação não apenas da Osram, mas de outras empresas, desde a década de 1980, quando, como auditora, realizava inspeções em diversos setores. A médica defende a eliminação do uso de mercúrio em qualquer atividade, como apontou em tese de mestrado na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), em 1994. “Em 1990 iniciei o trabalho no ramo de fabricação de lâmpadas com mercúrio, não apenas na Osram, como em outras empresas deste ramo industrial e prossegui o trabalho eliminando o uso de mercúrio em várias atividades.”

O procurador do Trabalho Murillo César Buck Muniz, do MPT em Osasco, lembra que a empresa vai custear exames e também serão feitos testes neuropsicológicos. “Isso é importante porque não vai onerar ainda mais o sistema público de saúde”, observa. A Osram deverá pagar R$ 20 milhões em indenizações, além de R$ 4 milhões em danos morais coletivos. “A ideia é destinar (os R$ 4 milhões) ao atendimento de saúde ocupacional do Hospital das Clínicas, inclusive para realizar pesquisas, e também ao Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Osasco. É uma forma de compensação de danos”, afirma o representante do Ministério Público.

Produção

Muniz destaca outro ponto do acerto: a empresa deverá cessar a produção de lâmpadas até abril. Caso esse item seja descumprido, está prevista pena de multa diária de R$ 10 mil.

O acordo pôs fim a uma ação civil pública movida em 2012 pelo MPT, com base em conclusões das especialistas Cecília Zavariz e Marcília Medrado, do Hospital das Clínicas. Elas acompanharam centenas de casos de trabalhadores que adoeceram com o chamado mercurialismo crônico ocupacional.

Em nota, a Osram do Brasil confirmou ter assinado,

Valdivino vê um precedente importante e um indicativo de mudanças no país: “Essas grandes empresas vêm aqui, adoecem o trabalhador e vão embora. Acredito que seja uma grande vitória para os trabalhadores envolvidos no processo”

Valdivino vê um precedente importante e um indicativo de mudanças no país: “Essas grandes empresas vêm aqui, adoecem o trabalhador e vão embora. Acredito que seja uma grande vitória para os trabalhadores envolvidos no processo”

em 15 de março, um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) “por conta da ação movida pelo Ministério Público do Trabalho de Osasco e a associação dos trabalhadores que alegam terem sido contaminados por mercúrio”. O nome da empresa, de 1906, se origina a partir de dois materiais usados para a produção de filamentos: ósmio e volfrâmio (atualmente, tungstênio).

O número de trabalhadores habilitados a receber a indenização só deverá ser conhecido no final de agosto, diz o procurador do Trabalho. Os exames começam em maio. Segundo ele, quem tem diagnóstico e se habilitar receberá o plano de saúde imediatamente. “Isso não afasta a possibilidade de o trabalhador fazer um processo individual e não se habilitar por aqui”, lembra, destacando a importância do acordo. “Com certeza, o processo judicial demoraria muito mais. Normalmente, as soluções negociadas são as melhores.”

Diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, Sertório Aparecido Ribeiro de Carvalho diz que a empresa passará a importar lâmpadas LED e fluorescentes, interrompendo a produção local. Ele cita caso semelhante envolvendo a Philips, que também teve de indenizar funcionários intoxicados. Com 30 anos de Osram, Sertório também foi exposto ao produto e tem um laudo que aponta perda de memória e de concentração.

“A gente vive tomando remédio”, lembra Valdivino Rocha, aposentado em decorrência de acidente de trabalho – código B92, invalidez acidentária. Ele mesmo tem uma dose diária de 14 comprimidos. Em uma conferência nacional sobre saúde – durante a qual sofreu uma queda –, ele contestou quem defendia regulamentação do uso do mercúrio. “A gente tem de eliminar, não regulamentar”, afirma.


Problema de saúde pública

Para a médica Cecília Zavariz, ex-auditora fiscal do Trabalho, qualquer atividade que envolva mercúrio oferece risco, e seu uso representa “um problema grave de saúde pública”. Ela considera o acordo do MPT um “parâmetro interessante” para outras empresas, mas critica a legislação e avalia que falta vontade para resolver o problema.

Os trabalhadores apresentam que tipo de problemas de saúde? Alguns chamaram mais a atenção?

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Cecília Zavariz: ‘Todas as empresas que usam mercúrio oferecem risco’em risco’

Os quadros da intoxicação são variados e dependem de diversos fatores. Na pesquisa que realizamos na década de 1990, os sintomas mais frequentemente relatados foram dor de cabeça, dor no estômago, sangramento oral, salivação excessiva, má digestão, gosto de metal na boca, náuseas, gengivite, ulceração oral, problemas dentários, diarreia, cãibras, parestesia, tremores, sonolência, alteração de grafia, abalos e fraqueza muscular, nervosismo, irritabilidade, dificuldade de memória, ansiedade, tristeza, depressão, redução da atenção, agressividade, insegurança e medo.

No exame físico foram detectadas as seguintes alterações, cujos resultados foram estatisticamente significativos: hiperemia de orofaringe, depósitos metálicos gengivais e palatares, ulceração oral, linha azul na borda gengival, tremores, alteração de grafia, de sensibilidade térmica e hiperreflexia.

Nos testes neuropsicológicos foram observados déficits na rapidez de movimentos, destreza manual, coordenação motora, atenção concentrada, eficiência cognitiva e velocidade perceptiva motora.

Na ocasião, foram afastados do trabalho vários casos que apresentavam intoxicação. Atualmente, como previsto no acordo, farei avaliação da saúde referente à exposição ao mercúrio de todos os trabalhadores que solicitarem no prazo previsto, de modo que terei dados atualizados da situação.

Há casos que tornaram os empregados definitivamente incapacitados?

Há casos de trabalhadores incapacitados para o trabalho, em função do quadro apresentado, de todas as indústrias do ramo.

A Osram representa um fato isolado, ou trata-se de uma realidade comum?

Todas as empresas que usam mercúrio oferecem risco, porque este agente é altamente agressivo e por si só representa risco. As características específicas, como a toxicidade a fácil evaporação, a penetração no organismo através da inalação, a bioacumulação no organismo causando lesões irreversíveis, particularmente no sistema nervoso, tornam o uso deste metal um problema grave de saúde pública, dada a facilidade de se dispersar por todo o planeta, contaminando o ambiente e os seres vivos.

A sra. acredita que o acordo feito no MPT pode ser um parâmetro para outros casos?

Com esse acordo estamos eliminando a fabricação de lâmpadas com mercúrio no país. O acordo com a Osram pode ser um parâmetro para as demais empresas que, na contramão da história, ainda insistem em usar o mercúrio, apesar de fartamente demonstrado o risco que esse agente tóxico representa para o homem e a todo o planeta.

O Conselho de Administração do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), após solicitar um informe sobre o mercúrio e seus compostos em todo o mundo, identificou a contaminação por mercúrio como um grave problema ambiental e de saúde pública e estabeleceu como meta a redução até a eliminação do uso humano do mercúrio, que culminou, em 2013, com o consenso de muitos países, de um documento denominado “Convenção de Minamata”, do qual o Brasil foi signatário.

O Brasil ainda não adotou medidas concretas para eliminar o uso de mercúrio, como em empresas de cloro-álcalis, onde ainda há empresas que mantêm a tecnologia obsoleta com mercúrio, bem como na importação e uso de produtos com mercúrio, como termômetros, esfigmomanômetros de coluna de mercúrio, na área odontológica, com o uso de amálgamas dentários com mercúrio e em vacinas que contêm um conservante à base de mercúrio.

Em todas essas situações há tecnologia substitutiva, sem os riscos que o mercúrio representa para a saúde humana e o meio ambiente.

Além do ambiente de trabalho, em que outras áreas o mercúrio é utilizado? Quais os riscos?

Principalmente na garimpagem de ouro, que além de oferecer risco à saúde de quem manipula o produto ou está nas proximidades, é descartado no meio ambiente contaminando o solo, a água, o ar, a fauna e a flora.

A legislação brasileira, na área de saúde e segurança, é adequada?

A legislação é tão deficitária que podemos considerar praticamente nula.

O Ministério do Meio Ambiente chegou a declarar que o país tem dados incompletos sobre usos e emissões do mercúrio. O que é preciso ser feito, considerando também a Convenção de Minamata?

Primeiramente, é preciso querer resolver o problema. Segundo, querer conhecer o tamanho do problema. Terceiro, buscar as soluções. Quarto, planejar e implementar as medidas adequadas para sanar o problema. E fundamental: é preciso ouvir quem conhece o assunto. [Fonte: Rede Brasil Atual]

Jornal Visão Trabalhista EDIÇÃO #18