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Ensino só para as elites?

Por Auris Sousa | 08 set 2016

A crise educacional do Brasil da qual tanto se fala, não é uma crise, é um programa (Darcy Ribeiro, Sobre o óbvio)

Desde o final do século XIX, três aspectos tensionam a relação entre democracia e educação pública, em todos os níveis.

O primeiro é o acesso à educação formal. A garantia desse acesso exigiu e exige grandes esforços, uma vez que esse direito foi e é constantemente denegado ou postergado, tendo sido necessárias muitas e contínuas lutas para torná-lo efetivo, mesmo em países desenvolvidos. Na França, por exemplo, onde a questão do acesso à educação estava colocada desde a Revolução de 1879, somente em 1881-1882, com as Leis Jules Ferry, foi formalmente institucionalizado o ensino público, gratuito e laico. No Brasil a situação foi pior ainda, pois a a formalização da preocupação do Estado com a educação pública só se efetivou em 1930, com a criação do então Ministério da Educação e Saúde.

O segundo aspecto diz respeito à dicotomia quantidade versus qualidade.

A democratização da educação escolar significou e significa a massificação das práticas de escolarização e, nesse sentido, faz-se sempre necessário lutar para que o ensino oferecido a grandes contingentes não se torne sinônimo de superficialidade e tampouco se torne expressão daquilo que se oferece às parcelas que “não podem pagar” uma educação “melhor porque seletiva”.

Na década de 1950 a expansão da oferta de vagas públicas para o ensino médio no Estado de São Paulo, à época denominado ensino secundário, foi acompanhada de forte reação dos que se incomodavam com o acesso das camadas populares à educação.

Não foram poucos os editoriais escritos na grande imprensa conservadora para “advertir” que a escola pública “perderia qualidade” se fosse massificada.

Por trás dessa posição revelava-se a força da tradição excludente da sociedade brasileira, que celebra a qualidade considerando-a incompatível com a quantidade; em outras palavras, considera bom somente o que é para poucos. Ora, sempre é bom lembrar que quando a excelência existe para poucos não se trata de qualidade, mas de privilégio.

O terceiro aspecto diz respeito à manutenção dos ganhos.

Sempre que processos de expansão de vagas públicas aconteceram, foi necessário lutar para que os ganhos inerentes à democratização não fossem esvaziados.

Permanência e custeio tornaram-se palavras chave nesses processos. Ou seja, os movimentos de expansão de oportunidades demandam, exigem, políticas que garantam a permanência de quem chega. Caso contrário, a dificuldade em permanecer acaba gerando uma evasão que, ao final, é atribuída à “falta de condição de quem chegou”.

O custeio das estruturas que se expandiram é tão importante quanto a expansão em si mesma. Em outras palavras, quando o custeio é insuficiente, a dinâmica de democratização da educação inicia um rápido processo de sucateamento.

É da essência de todo pensamento autoritário e de perfil antidemocrático pensar escolas públicas como sucatas. Não foi à toa que, durante a ditadura militar, caíram drasticamente os investimentos na educação no mesmo momento em que o ensino básico se expandia. Foi isso que levou o sociólogo e antropólogo Darcy Ribeiro a dizer, em 1977, que a crise da educação no Brasil não era uma crise, mas um projeto.

O recente corte de 45% nos recursos das universidades federais deve ser visto também sob essa dinâmica de esvaziamento, uma vez que colabora decisivamente para que a ampliação do acesso seja vista como inviável; qualidade e quantidade sejam vistas como incompatíveis, e a manutenção dos ganhos obtidos após muita luta seja apontada como fardo orçamentário, passível de correção com estratégias de austeridade.

Gilberto Giusepone 
Diretor do Cursinho da Poli e
presidente da Fundação PoliSaber.

Jornal Visão Trabalhista EDIÇÃO #18