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Debate aborda movimentos sociais na defesa dos direitos do trabalhador

Por Auris Sousa | 01 set 2016

De acordo com a Constituição Federal de 1988, os direitos sociais são direitos essenciais para garantir a vida do ser humano. Já o artigo 6º descreve que a sociedade tem direito à saúde, educação, trabalho, moradia, segurança, previdência social, proteção à maternidade e infância e lazer. Porém, os apontamentos dos palestrantes na mesa “Movimentos Sociais na Defesa dos Direitos Sociais, do Trabalho Digno e da Saúde”, realizada no dia 26 de agosto, IV Congresso Internacional, na Faculdade de Direito da USP, e também as falas da plateia foram unânimes de que esses direitos adquiridos não são cumpridos.

Encerramento do Congresso da Fundacentro

Encerramento do Congresso da Fundacentro

“A capacidade de garantir os seus direitos e defender a democracia dos direitos sociais parece que nesse momento encontra a maior fragilidade”, a frase é do coordenador e mediador da mesa, Silvio Caccia Bava, sociólogo e editor chefe do periódico Le Monde Diplomatique. Bava em sua fala salienta que as políticas públicas são fundamentais para assegurarem os direitos dos trabalhadores.

O secretário geral da Intersindical, Edson Carneiro Índio, comenta que o papel de uma central sindical no país não é permitir a precarização do trabalho. “Nós temos uma ofensiva bastante significativa, de longos anos, pela ampliação da terceirização. Isto foi bastante debatido nesses dias de congresso. Esse processo de terceirização é a forma mais acabada de desmontar a organização sindical, dificultar a resistência e aumentar a exploração da mão de obra do trabalhador e, assim, intensificar a precarização do trabalho”, discorre Edson.

O secretário também enfatiza que o programa da reforma da previdência entra em pauta todos os anos, mas os direitos dos trabalhadores não podem ser penalizados com o falso discurso do déficit. “Déficit, para nós, é a falta de compromisso com a Constituição, com as mulheres trabalhadoras, avanço civilizatório e com garantias sociais mínimas”, aponta Índio.

Sobre déficit com as mulheres trabalhadoras, a psicóloga, militante feminista e membro do Observatório da Mulher e da Rede Mulher e Mídia, Rachel Moreno, discursa sobre a questão de gênero com observância nas mulheres e sua transversalidade. “As mulheres estão em todos os lugares, coisa que antes não era tão horizontal, e isso significa a necessidade de novas adequações e direitos”, salienta Rachel.

A psicóloga relata que os direitos das mulheres estão sendo roídos. Cita alguns exemplos e, dentre esses, um projeto de lei com a polêmica da pena para a prática do aborto em razão da microcefalia, causada pelo surto do vírus Zika. Neste caso, a mulher será punida com detenção do dobro de anos. No aborto provocado por terceiros, a pena é de oito anos. Também incluem os casos onde a mulher corre risco de vida e estupro.

“No caso de estupro, se a mulher não fizer o aborto receberá uma ‘bolsa estupro’”, ressalta Moreno. Para ela, esta iniciativa vai de encontro ao respeito, à dignidade, à saúde e autonomia da mulher em querer ou não prosseguir com uma gravidez fruto de violência.

Trabalho digno

“O trabalho enobrece o homem e acaba com a mulher”, diz a psicóloga. O trocadilho é para chamar a atenção da jornada dupla que a mulher exerce em seu dia a dia. Cada vez mais a mulher é chefe de família, sendo o seu salário o mais importante na contribuição no sustento do lar.

Além disso, frisa que a mulher quando entra no mercado de trabalho precisa provar a sua competência. Na questão salarial ela recebe menos do que o homem, sobretudo as mulheres negras. O controle no ambiente de trabalho também é maior, sobre isso a pesquisadora acompanha desde a década de 70, quando em um Congresso da Indústria Metalúrgica do ABC, as trabalhadoras reclamavam que para ir ao banheiro o tempo e a quantidade de vezes eram controlados. Todo mês também precisavam provar que não estavam grávidas, para isso era necessário mostrar o absorvente sujo de sangue. “Essas duas coisas conseguimos derrubar. Agora, as trabalhadoras de telemarketing dizem que precisam atingir uma meta, isso faz com que não levantem para ir ao banheiro e, em consequência elas têm sofrido com infecção urinária”, relata Moreno.

Destaca ainda que no cenário em que a mulher assume o papel de provedora da família, muitas vezes, ela entra no trabalho informal. Isto a coloca em uma posição na qual os seus direitos trabalhistas não são contemplados.

Não basta ser boa profissional, estudar, ser boa mãe, esposa e dona de casa. A mulher precisa seguir os padrões da cultura de beleza imposta pela sociedade. “A indústria farmacêutica fatura alto. Temos que comprar desde os produtos da farmácia até os que garantam que tenhamos uma aparência bonita. Somos bombardeadas com produtos de beleza, sejam na compra de cosméticos ou até cirurgias plásticas”, discorre Moreno.

Outro ponto discutido por Rachel foi sobre o aumento da escolaridade das mulheres em relação à dos homens. “Se nós ganhamos menos e estudamos mais, temos que observar e ter um olhar mais crítico a respeito disso”, ressalta Rachel.

Saúde do trabalhador

Lesões por esforços repetitivos, tendinite, Dort (distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho) que compreendem de forma sistêmica ou não, movimentos repetitivos e de força. Também a síndrome de carpo e estresse – são algumas doenças apontadas pelo jornalista Carlos Amorim, da REL UITA (regional para a América Latina da União Internacional dos Trabalhadores da Alimentação).

O jornalista destaca as LER (lesões por esforços repetitivos) como uma doença dolorosa e que deixa o trabalhador incapacitado de suas funções. Sobre a síndrome de carpo, ele informa que uma trabalhadora que tem a doença está incapacitada, não consegue segurar o filho para amamentar.

“Os trabalhadores são peças cada vez mais descartáveis. A falta de emprego tem servido para os empresários precarizarem a mão de obra, achatar salários e demandar muito mais atividades para um trabalhador. A saúde fica em segundo plano”, informa Amorim.

O especialista relata que no mundo em torno de três mil e duzentos trabalhadores perdem a vida por dia, seja por acidente ou doença ocupacional. “As novas formas de organização de trabalho também precisam ser repensadas”, salienta o jornalista.

Sobre as LER (lesões por esforços repetitivos), Amorim publicou o livro, cujo título é: “O massacre silencioso: Doença Invisível na Nestlé de Araras, São Paulo”.

Acidentes de trabalho e inclusão

O diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região, Carlos Aparício Clemente, salienta que o tema acidente de trabalho não entra na pauta de discussões dentro das centrais sindicais. “De acordo com dados da Previdência de 2014, ocorreram 429 mil casos de mortes e mutilações de trabalhadores”, informa Clemente. Completa que até o momento, os dados da Previdência de 2015 ainda não foram divulgados.

Carlos Aparício, que também é coordenador do Espaço da Cidadania, enfatiza que o descaso da sociedade, dos meios de comunicação e, sobretudo do movimento sindical na questão que envolve os acidentes de trabalho é muito grande. Com relação às ações regressivas acidentárias, de cada 125 acidentes que matam e mutilam, no Brasil, apenas um acidente entra como ação regressiva acidentária. “Os 124 acidentados são considerados culpados pelo acidente e não são objetos de investigação”, exalta o diretor.

Informa ainda que em 1999, já tinha sido publicado pelo Sindicato dos Metalúrgicos que os acidentes eram um massacre e para as vítimas significa o início de um martírio para conseguir o acesso à garantia dos direitos trabalhistas. Como exemplo, Clemente salienta o caso do trabalhador Evanilson Vieira Sousa que estava na plateia. Em 1998, o trabalhador ao fazer a limpeza em um toner, no segundo dia de trabalho, perdeu o braço. Logo após o acidente, a empresa encerrou as atividades, e esse acidente não entrou nas estatísticas de ações regressivas.

No entanto, o trabalhador conseguiu ingressar em outra empresa e está até hoje. “A cada dois anos Evanilson precisa trocar a prótese, obrigação da Previdência Social, hoje ele não tem e em dezembro completou um ano sem a prótese”, ressalta Clemente. Diz ainda que o sindicato intermediou juntamente com o gerente do INSS de Osasco, para conseguir a troca da prótese do trabalhador. “Não foi possível pelo fato de superfaturamento na licitação de prótese”, comenta o diretor.

Trabalhadores portadores de deficiência

A Lei de Cotas completou 25 anos, e o coordenador do Espaço e Cidadania comenta que a lei não é cumprida como se deve, porque os argumentos são de que não existe número suficiente de pessoas com deficiência para ocupar as vagas da lei. “Não é verdade. Para cada 58 pessoas com deficiência com nível superior, tem apenas uma trabalhando e com ensino médio, para cada 44 pessoas tem apenas uma trabalhando”, relata Carlos. Esses dados são do Senso Demográfico do IBGE.

Dados do IBGE, segundo Clemente, são 18 milhões e 700 mil pessoas com deficiência trabalhando na informalidade. Já 9 milhões e 300 mil com deficiência severa e que também cabem na lei de cotas. Para ele, a justificativa das empresas de que o seu ambiente de trabalho não é adequado – não é plausível. “Se fosse isso, dezembro do ano passado, entre os metalúrgicos de Osasco, não teríamos 104 por cento no cumprimento da Lei de Cotas em empresas que têm risco 3 e 4”, salienta o diretor.

Walcyr Previtale, representando Madalena Teixeira, secretária Nacional de Saúde do Trabalhador (CUT), comenta que a saúde é um direito constitucional. Walcyr é bancário e dirigente sindical da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro.

Para ele, todos os comentários dos especialistas durante o congresso são extremamente importantes e necessários para uma política efetiva de saúde e segurança no trabalho. Ressalta a fala do Clemente em que a Previdência Social demora muito para informar as estatísticas de acidentes. “Transparência de informação seria o ideal, onde deveria constar nas estatísticas o CNPJ e nomes das empresas, além da quantidade de acidentes”, diz Walcyr.

Salienta ainda que as convenções da OIT (Organização Internacional do Trabalho) têm como princípio o diálogo social tripartite: governos, empregadores e trabalhadores nas discussões voltadas ao mundo do trabalho. Inclui também o Decreto nº 7.602/2011, que discorre sobre Política Nacional de Saúde dos Trabalhadores e Trabalhadoras.

Com relação ao setor bancário brasileiro, Previtale informa que “no ramo bancário, os trabalhadores sofrem com a incidência de LER/Dort e adoecimento mental. Precisam cumprir metas e os trabalhadores perdem a saúde”.

As condições de trabalho dos bancários revelam que adoecem fisicamente devido à intensificação do trabalho e mentalmente pelo fato de terem a necessidade de cumprir metas. O assédio moral também é uma constante, pois são cobrados dia a dia para atingir metas – o que causa desgaste mental e adoecimento no trabalho.

Tecnologia e mente humana

“No momento em que o ser humano deixa de ter o papel de controlador e de direção do uso da tecnologia e passa ser usado por ela, às consequências são nefastas”, salienta Miguel Nicolelis, médico, pesquisador brasileiro da área de neurociência da Universidade norte americana de Duke.

Informa que existem inúmeros estudos apontando que a exposição contínua da mente humana às tecnologias digitais, tais como celulares e computadores – não somente diminui o grau de envolvimento humano, como altera a mente do usuário. “A indústria da informação tenta simular o cérebro humano. Como cientista, refuto esta tese, pois nenhuma máquina digital conseguirá reproduzir a mente humana”, exalta Miguel.

Diz ainda que as consequências não trazem à tona uma revolução das normas que regem o trabalho humano, elas também afetam a mente. A mente humana não é um sistema digital e não pode ser reduzida a um programa de computação. “Desde o nascimento à velhice, o cérebro é maleável às influências que vêm do mundo, ele se auto-organiza”, informa o neurocientista.

Nicolelis salienta que o capitalismo pretende substituir a mão de obra pela tecnologia, no sentido de diminuir os custos de produção. Diz que isso é impossível porque não se pode confundir o intelecto humano com máquinas. “O trabalhador acaba sendo auxiliar da tecnologia no processo produtivo, isto pode causar danos sérios ao cérebro humano, tanto na capacidade de produção quanto na organização do mercado de trabalho”, enfatiza Miguel.

Chama atenção dos sindicatos para que possam atentar sobre o que pode acontecer com relação aos acidentes no Brasil. Além dos casos de desemprego que a automação pode gerar. Na Europa, a automação já é caso de desemprego.

Exemplo de automação

O neurocientista informa que nos últimos quarenta anos, o crescimento de automação nas Companhias Aéreas tem aumentado. O sistema “Fly by Wire”, faz com que o avião voe por meio do controle de uma máquina e o piloto faz a leitura do painel.

De acordo com Nicolelis, o sistema “Fly By Wire” permite que a aeronave tenha um bom desempenho: decola, voa, e o piloto é mais um supervisor (leitor de painel). No entanto, quando ocorre alguma falha, muitas vezes, é difícil para o piloto controlar. Como o sistema não é feito para ser pilotado manualmente, mas por meio de um sistema automático de voo, quando algo diferente ocorre, tirando o processo de sua rotina, a carga de trabalho aumenta e a compreensão do que está ocorrendo se torna mais difícil.

“Na época de Santos Dumont, ele dizia que vestia o seu avião, tinha o controle, hoje em dia isso mudou porque o piloto não exerce mais o controle decisivo da aerodinâmica do avião. O avião da Air France é exemplo disso, a teoria mais aceita do acidente retrata que na hora que o sistema falhou, e o piloto teve que assumir no meio da madrugada o voo, ele não sabia como reagir. Ao invés de colocar o “nariz” (parte frontal do avião) para baixo para ganhar velocidade, ele pôs o “nariz” para cima e perdeu o “lift stall” e caiu no oceano”, relata o neurocientista.

Devido à falha do indicador de velocidade do ar, o avião ficou fora de controle e perdeu a sustentação (stall), já o “lift” é o fluxo de ar sobre as asas, ou pressão aerodinâmica para cima.

O neurocientista informou sobre o Instituto Santos Dumont, onde mostra outra visão da ciência em prol da educação. A escola participa de oficina de robótica. “A tecnologia a serviço do homem, a que pode recuperar a vida do ser humano, está que se tem que admirar e investir”, explana Miguel.

Sobre a fala do especialista, a plateia pôde conferir por meio de slides resultado de sua pesquisa, onde um paciente voluntário, Juliano Silva, paraplégico, conseguiu dar um chute na bola em plena abertura da Copa do Mundo de 2014. Admiravelmente a proeza foi possível porque Juliano vestia uma roupagem mecânica que imita o corpo humano (interface cérebro-máquina), a qual foi desenvolvida por Nicolelis, juntamente com cientistas de várias partes do mundo e que possibilitou os movimentos de Silva.

O neurocientista informa que existe o Centro de Educação Científica que já atendeu 60 mil pessoas, desde 2008. Neste Centro, os alunos são inseridos na educação científica. “A utopia é o processo de se conseguir algo”, salienta o Nicolelis. [Fonte: Fundacentro]

Jornal Visão Trabalhista EDIÇÃO #18